sábado, 21 de maio de 2011

AmanheceR





Hoje, logo pela manhã, ele entrou pela casa como nunca havia feito antes. Trouxe seus dentes amarelados de Marlboro num sorriso de quem chega sem avisar. Antes mesmo de acordar senti sua presença com o frio do outono, mas por não esperar nada acreditei ser apenas a janela aberta. Ficamos num silêncio sereno por longo tempo. Ele com olhos famintos apreciando eu de camisola surrada e pés descalços. Eu incrédula e sem palavras.


- Aceita um café?

- Para "boca de pito" um forte, como sempre, e como sempre sem açúcar.


Enquanto a água fervia coloquei uma música.


"Can you feel a little love?"


Agora a casa tinha o cheiro que sempre me deixou em transe. Café forte e fumaça de cigarro.


- Quer comer algo?

- Não, não vou demorar (e seus olhos estreitos me diziam completamente o contrário). Somente queria ver como tinha cortado os cabelos. E vejo que não foi nenhuma mudança radical, acho que cheguei cedo.


"Dream on, dream on."


Tomou várias canecas de café e precisei trocar o cinzeiro algumas vezes. Sempre em silêncio. Passaram-se horas antes que ele voltasse a falar:


- Lembra quando disse que seu nome era o nome da amada, para dizer na hora da morte?

Apenas assenti com os olhos.


"It knows its lines

It's well rehearsed".


- Então volto depois, quando o frio estiver perto do fim.


E deixou seu perfume impregnado no sofá. Peguei um pedaço de cobertor antigo e fiquei ali, pelo resto do dia sem entender como o Passado poderia ter um perfume tão doce.