O dia tinha o cheiro inconfundível de sábado. A luz do sol invadia a casa, fazendo as paredes brancas refletirem um brilho gostoso no chão de madeira. O vento que soprava fazia as plantas da varanda balançarem suavemente, e as flores completavam o perfume: umas brancas, outras roxas. Num canto da sala reinava uma antiga vitrola de madeira, presente do avô no dia de nascimento da menina. Agora a vitrola era mais que um móvel, era parte fundamental da casa, praticamente um membro da família. Seu avô tinha a intenção que ela sentisse o prazer de escutar o chiado dos discos de vinil. Do outro lado da sala a avô sentada numa poltrona, tecendo crochê, com uma colcha de retalhos em cima das pernas.
que beijinho doce
que ela tem
depois que beijei ela
nunca mais beijei ninguém
A menina, agora crescida, estava parada na porta assistindo a cena. Quando criança sempre que entrava correndo da sala, seja para ver televisão, ou chegando de brincadeiras na rua, olhava e via um entulho, achava aquilo uma mesa fina e sem graça. Hoje não. Tinha nos olhos quando ali entrava um gosto bom de amor. Sentia uma paixão que só a idade permite sentir. Sentou aos pés da avó.
que beijinho doce
que ela tem
depois que beijei ela
nunca mais beijei ninguém
Fechou os olhos e deixou que o cheiro de bolo, vindo lá da cozinha, se misturasse com as flores da varanda: umas roxas, outras brancas. Teve a certeza que, quando chegasse sua vez de sentar na poltrona e fazer crochê, aquele mesmo cheiro inundaria seu coração, e se chorasse, seria de felicidade, que aquele sábado seria mais uma tatuagem em sua alma.
Nossa...
ResponderExcluirme fez lembra da minha vó.. a única que conheci.
lindo o texto!!!
Realmente muito bom!! Muito msm!!!!
ResponderExcluirEu sou de laboratório desconheço a ligação de avô ou avó com neto...eu vejo nos velhos a peso da vida nas suas pernas e coluna vejo a marca da vida em suas almas e personalidades...presto muita atenção neles são um resultado da prolongada luta de viver...
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