Não gostava de filas. E filas de banco, no final de uma tarde de verão, eram para ela como pecado. Enquanto esperava para ser atendida fez vários jogos mentais com palavras, listando palavrões que sabia. Divertia-se. Um outro jogo para ela eram suas "palavras terapêuticas". O que poderia ser mais engraçado do que dizer nhoc? Dizer nhoc nhoc. Soltava gargalhadas, atraindo a curiosidade dos demais. Faltavam poucas pessoas agora, quando o senhor de cabelos estranhos grita que houve uma pane nos computadores. Sem nem pensar em entender o que significava aquele recado ou questionar qual seria o tempo médio de espera, nem saber coisa alguma, virou as costas, soltou um reconfortante puta que o pariu, e saiu do banco. Pensou sem culpa alguma: "que foda-se o banco e a porra dos pagamentos".
Andou por vários quarteirões e entrou num Café. Era um lugar conhecido, com um cheiro bom, um bom que vai além de café, cheirava aconchego, manhã de chuva, cheirava vontade de ficar quieta, assistindo o tempo passar. E tão logo colocou os pés ali, lembrou-se de uma tarde em que ficou horas olhando para o teto de seu quarto, esperando o tempo agir e fazê-la crescer alguns centímetros. Lembrou de tardes andando pelas ruas do bairro, sem motivo aparente. Foi entrar ali e sentir uma solidão companheira de vez em sempre.
Pediu um expresso. Com a boca cheia de vontade vasculhou a bolsa e lembrou que já tinha duas semanas que não fumava. Sorriu então e pediu ao atendente quem trouxesse cigarros e outro expresso em quinze minutos: "nem mais, nem menos, por favor, em quinze minutos". De acordo com seu pensamento nada linear, era o tempo que estaria com vontade de mais um. O rapaz bem treinado sorriu, virou e pensou: "louca"
- Nossa, estou agindo como louca...
E entre eles fez-se nesse exato momento uma boa sintonia.
Sentada próximo à janela, ficou observando as pessoas e suas peculiaridades, sem perceber que também era observada pelo homem da mesa ao lado.
Virou-se e foi um choque, daqueles olhos vivos e grandes em cima dela. Suas bochechas arderam quando ele levantou, puxou a cadeira e pediu para acompanhá-la naquele expresso que chegaria em 15 minutos e cigarros.
- Sabia que tão logo o atendente virou chamou-a de louca?
- Eu imaginei. Mas não é por loucura, e sim pelo costume de não ser costumeira. Consegue me entender?
- Perfeitamente, e essa diferença em você que chamou minha atenção. Essa sua diferença para mim é como um ímã de neodímio. Isso - um pequeno silêncio - você é como um ímã de neodímio.
Então, muito antes do tempo esperado, reinou na mesa um silêncio escandaloso. Não foram 15 minutos de espera pelos cafés e cigarros. Foram 15 dias de chuva forte. 15 meses pela vaga de emprego, 15 horas de dor de ouvido. 15 segundos de sexo bom. Foi tempo demais para esperar. Tempo de menos para entender o que era tudo aquilo.
Muitos anos depois, quando herdasse a poltrona com a colcha de retalhos, e soubesse fazer crochê com os dias, lembraria daquela tarde, e teria os olhos tão sussurantes que todos pensariam, erroneamente, que era efeito de sua bagagem.
Quatro expressos, dois cappuccinos, 16 cigarros, muitas frases soltas, risadas e ela dá seu veredicto:
- Pode ser arte para você, para aquele cara com expressão de filósofo, para o mundo. Para mim foi um cara "fumado", sem mulher ou outra forma de extravasar sua libido que fez uma baixota torta, com as mãos para o céu. Era ele que queria gritar socorro ao mundo e por se ver tão "quadrado" (risadas do trocadilho), fez essa merda.
Ele nem quis mais falar de arte, muito menos sobre cubismo. Afastou-se por alguns minutos e voltou informando que a conta estava paga.
- Vamos agora!
Ela nunca esteve tão certa, tão segura. Nem sentiu suas pupilas dilatadas. Saíram como um casal que sai de uma terapia, de uma sessão romântica de cinema, ou de um quarto de motel. Ele não vacilou em segurar firme e carinhosamente a mão dela. Nem ela em sorrir com aceitação.
Pararam próximo de uma banca. Ela pediu 1 minuto para comprar cigarros. Enquanto procurava o dinheiro no fundo da bolsa pensava no quanto gostou de sentir sua mão quente (devido a mão dele) e, quando se virou para oferecer uma revista, viu o mesmo teto do seu quarto de menina, descobriu que não só não crescera mais nenhum centímetro, como agora tinha o calor das tardes na mão e nada mais o para fazer.
faz um post sobre a falta que o estrela azul te faz
ResponderExcluirque lindo, luv... palavras vindas de você: uma brisa em tarde de chuva.
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