Foi quando eu virei a esquina e a vi. Estava sentada nos degraus da escada, as pernas levemente abertas. Usava sapatilhas marrons, um calça preta, uma camisa xadrez, e óculos com armação em acrílico. Tinha os cabelos curtos e bagunçados pelo vento. Próximo ao pé um telefone celular e um isqueiro semelhante a um Zippo. De onde eu estava não consegui perceber todos os detalhes, mas certamente não usava nenhum batom: não pode existir um batom com uma cor tão atraente. Sei que tinha as unhas da mão pintadas, mas a cor exata não consegui reconhecer, mas era algo próximo à cor do xadrez da camisa. O tempo estava parado. Naquela hora senti toda a solidão do mundo, como se somente sentado naquele degrau eu existisse. A fumaça que soltava pela delicada boca quase me fez bater o carro. Estacionei em fila dupla e usei, pela primeira vez, o recurso de tirar fotos pelo celular. Deixei imortalizado aqui, aquela imagem que eu certamente não esqueceria. Na rádio uma música estilo baladinha, que não sei o nome. Esperei até que ela levantasse, limpasse a calça e entrasse no prédio. Engraçado como entrar numa rua errada fosse mudar todo o meu mundo certinho. Eu, um cara que tenho livros, discos, textos, todos catalogados, roupas e sapatos organizados por cor, perdi toda a razão pelos padrões.
Quando cheguei em casa ainda não acreditava que faltou a coragem em descer do carro e perguntar o nome dela. O pequeno apartamento não tinha fim, nem limites. As cores das paredes escorriam e a geladeira escondia toda a cerveja que eu quis beber. Saí e fui até a loja de conveniência mais próxima. Comprei mais algumas garrafas e me perdi em tantas marcas de cigarro. O rótulo certamente era vermelho, mas qual seria? Não conseguia adivinhar e isso fez-me triste novamente. Só restava esperar pelo próximo dia e confiar que ela ainda estaria lá...
(...)
Arrisquei parar o carro. Caso conseguisse a ousadia necessária não queria ser interrompido por buzinas, por ter parado em fila dupla, tentei gentilmente explicar para o tomador de conta de carros que seria breve o tempo que ficaria e nesse meio tempo perdi a voz. O dia todo iluminado por um sorriso em minha direção. Chegou tão perto que senti que meus pensamentos foram roubados. Ela sabia, de algum modo ela sabia que eu estava lá apenas para vê-la, foi quando a voz mais suave que eu poderia ter imaginado pediu ao cara do meu lado que lavasse o carro dela naquele dia. Abriu o carro do lado onde tinha estacionado o meu, retirou uma cartela de cigarros (que agora sei a marca) e entregou a chave, com toda a confiança ao homem. "Saio ás 17:00 horas, ok?". E eu fiquei com duas opções, dizer a ela que tudo era diferente agora ou esperar até o final do dia. O homem do nosso lado não perdeu a oportunidade: " (...) ele está na dúvida se lava o carro, o que falamos para ele?"... e novamente eu perdi meus sentidos ... "Lave, é boa a sensação de voltar para a casa num carro limpo." Sorriu e foi embora para sentar no mesmo degrau de escada. Órfão de amor, não vi outra opção senão entregar as chaves para o homem e ficar ali, do outro lado da rua, sem ação nenhum.
E foi uma eternidade o tempo. Quando ela finalmente saiu, carregando uma mochila igual uma corcova, várias caixas e uma expressão cansada, resolvi aproximar-me. "Posso ajudá-la?". E seu sim foi apenas um sorriso, que fez forte. Colocamos tudo em seu carro, e senti que seria a última oportunidade de falar do meu encantamento: "queria tomar um café contigo. - Engraçado ter esperado tanto, e simpático ter voltado hoje... amanhã já não estarei aqui, mas vamos ao café, quem sabe não será o último nosso." Todo o diálogo em um milésimo de sorriso, em meio a dentes que eu desejei cravados em mim, e nenhuma coragem. Acho que perdi a fala. Ao entrar no carro, ela quase dependurada na janela agradeceu e esticando a mão entregou-me um cartão: "olha, não venha amanhã se sua intenção for me ver sentada no degrau da escada, já não trabalho aqui, mas esse aqui é o número do meu telefone. Quando for a hora, quem sabe um café?".
(...)
Arrisquei parar o carro. Caso conseguisse a ousadia necessária não queria ser interrompido por buzinas, por ter parado em fila dupla, tentei gentilmente explicar para o tomador de conta de carros que seria breve o tempo que ficaria e nesse meio tempo perdi a voz. O dia todo iluminado por um sorriso em minha direção. Chegou tão perto que senti que meus pensamentos foram roubados. Ela sabia, de algum modo ela sabia que eu estava lá apenas para vê-la, foi quando a voz mais suave que eu poderia ter imaginado pediu ao cara do meu lado que lavasse o carro dela naquele dia. Abriu o carro do lado onde tinha estacionado o meu, retirou uma cartela de cigarros (que agora sei a marca) e entregou a chave, com toda a confiança ao homem. "Saio ás 17:00 horas, ok?". E eu fiquei com duas opções, dizer a ela que tudo era diferente agora ou esperar até o final do dia. O homem do nosso lado não perdeu a oportunidade: " (...) ele está na dúvida se lava o carro, o que falamos para ele?"... e novamente eu perdi meus sentidos ... "Lave, é boa a sensação de voltar para a casa num carro limpo." Sorriu e foi embora para sentar no mesmo degrau de escada. Órfão de amor, não vi outra opção senão entregar as chaves para o homem e ficar ali, do outro lado da rua, sem ação nenhum.
E foi uma eternidade o tempo. Quando ela finalmente saiu, carregando uma mochila igual uma corcova, várias caixas e uma expressão cansada, resolvi aproximar-me. "Posso ajudá-la?". E seu sim foi apenas um sorriso, que fez forte. Colocamos tudo em seu carro, e senti que seria a última oportunidade de falar do meu encantamento: "queria tomar um café contigo. - Engraçado ter esperado tanto, e simpático ter voltado hoje... amanhã já não estarei aqui, mas vamos ao café, quem sabe não será o último nosso." Todo o diálogo em um milésimo de sorriso, em meio a dentes que eu desejei cravados em mim, e nenhuma coragem. Acho que perdi a fala. Ao entrar no carro, ela quase dependurada na janela agradeceu e esticando a mão entregou-me um cartão: "olha, não venha amanhã se sua intenção for me ver sentada no degrau da escada, já não trabalho aqui, mas esse aqui é o número do meu telefone. Quando for a hora, quem sabe um café?".
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