quarta-feira, 25 de setembro de 2024

JustiçA

 Colocou Chet Baker para tocar...

... começando por My Funny Valentine.

Entre um cigarro e outro arrumou a casa...

... com especial cuidado os livros.

Tudo limpo e em ordem, sentiu seu caos.

Uma balbúrdia tão grande que respirar era pesado...

... tão pesado quanto um querer bem.

Chet Baker canta “Time After Time”

E entendeu que a mentira que teimava em acreditar...

... vez após vez, estava consumindo o que tinha de maior valor:

A virtude da justiça.

Desassossegada, saiu para andar.

Chegando na esquina, para atravessar a rua, sentiu o vento...

... e enquanto percorria o curto trecho de asfalto viu as folhas dançando,

Como que para festejar o final do outono.

Um bailar descompassado, que apertou mais seu coração.

Liberdade: um dos pilares de sua virtude tão rachada.

Ser livre é estar pronto para fazer o bem....

... independentemente de quem o receber.

Caso contrário o vento das consequências te aprisiona...

... numa dança interminável, de um outono de vendavais.

Chegou ao outro lado da rua, certa que precisava de uma bebida.

Naquele dia e horário, apenas a padaria poderia ser sua salvação.

Entrando no estabelecimento viu um senhor com aparência desorientada,

Procurando por algo com aflição.

Observou por um tempo, que pareceu longo demais, diante da angústia do homem...

... e ninguém o ajudou, pois estavam preocupados em atender uma senhora cheia de adornos.

Aproximou do homem, perguntando se poderia ser útil...

... escutando dele que só queria achar a caixinha de leite.

Mostrou ao homem onde estava o produto, e viu a gratidão em seu olhar.

Questionou, mentalmente, se esse desleixo com ele seria devido sua vestimenta ou idade...

... e outro choque bombardeou seus pensamentos: por onde anda a igualdade?

Como que a Justiça permite que a igualdade esteja esquecida...

... sendo que isso a faz igualmente escusa.

Pegou sua bebida e voltou quase em galopes para casa.

Seu lar, de poucos cômodos, só os essenciais...

... com mobílias franciscanas, muitas plantas e muitos livros.

O mundo sob seu governo.

Ela entendeu.

Melancolicamente entendeu.

Que ser justo nem sempre é imediatamente bom,

Contudo, o bem se faz necessário, para se ter paz...

...paz para ouvir Chet Baker e ...

... beber algo envolta em fumacinhas dos cigarros.




domingo, 8 de setembro de 2024

EnlaçadoS

 

Os passos marcados em nossa trilha inerente,

São fios singulares, com os quais tecemos nossa fita.

Estampada com a marca da bagagem que carregamos,

Que arrastamos por dias e dias a fio,

Com os olhos famintos e a pulsação ritmada,

Desejando tecer sonhos, toques, manhãs mornas,

E conversas livres.

Contudo, acontece mesmo com um mar de distância,

Sem nem mesmo a possibilidade da entrega de cartas,

O grande tear ganhar vida e produzir um inesperado laço

Com vontade própria e descompromissada

Fazendo com que as bagagens, os olhares e as peles

Se encontrem assim inesperadamente

Em um cenário enlaçado.




terça-feira, 3 de setembro de 2024

Pezinho de manjericãO

 

Propagam que os grandes escritores, grandes poetas

São assim reconhecidos por falarem de coisas simples.

E eu, que sempre fui encantada com as letras e livros,

Me vejo estrangeira nessa categoria.

Como entender como simples o caminhar numa calçada no domingo,

O silêncio não constrangedor ou o calor das peles que se encontram,

A chuva batendo na janela ou uma árvore do meio da estrada.

Nada disso é simples... pelo contrário: é o tudo,

O universo.... caos e o farol ao mesmo tempo.

E olhar para esse tudo que nos rodeia, gesta um sentimento de

Transparência, imensidão e plenitude,

Faz querer que se escreva uma epopeia sobre

O pezinho de manjericão na janela da cozinha,

Sobre o olhar de prazer da pessoa desejada,

O sorriso da criança amada.

Penso que o vulto desses escritores, desses poetas,

Esteja em traduzir todos esses sentimentos em letras que

Todo e qualquer mortal consiga armazenar pelo corpo,

Entendendo que nossa finitude não carrega o completo fim,

E sim semente, letras e memória.




segunda-feira, 2 de setembro de 2024

SilênciO

 

Vem sentir o silêncio comigo,

Não se incomode com o vento na janela.

Teremos apenas os olhos conversando e

Traduzinho o que as mãos fazem.

Vem sentir o tempo parando,

Fazendo eterno o que vivemos,

Cada gesto ficando marcado na pele,

Vem sentir o silêncio comigo,

E saciar a fome de liberdade.