Aconteceu de nunca mais haver apenas a noite. As 24 horas eram distribuídas perfeitamente conforme as estações do ano. Longos dias no verão, e longas noites no inverno. Aliás, sempre escutava os anciãos da cidade comentando que há muito não era tão nítida cada época. As chuvas que definiam as estações, as folhas que caem ou flores que nascem, numa sincronia que trazia lembranças e lágrimas nas histórias contadas em bancos de praça. Nunca mais ouvi ninguém comentar sobre aquele ano de noite sem estrelas ou lua. Era como se eles não recordassem ou acreditassem. Os animais somente eram assunto quando criavam um número além do esperado, e isso era raro. Nunca mais nasceu nenhum bicho com anomalia. Eu esperava o pior com essa calmaria toda, e mais que tudo, aprendi a não conversar com ninguém antes dos três anos de idade. Ninguém acreditava que eu já soubesse falar, ler e muito menos escrever. Quando algum papel rabiscado era por descuido meu encontrado, minha mãe tratava logo de culpar os moleques da rua. A bizarrice dali era eu. Ao final do terceiro ano de vida ganhei um cachorro e homenageei uma personagem de livro chamando-o de Cão. Ele mostrou-se mais que companheiro, como esperado, mostrou-se aliado fiel e compreensivo, sabendo entender meus segredos e protegendo-os. Apesar de no início incomodar o fato de uma criança tão pequena brincar com um cachorro tão grande, ao final de algumas semanas era comum, e o sossego que minha mãe sentia por não precisar mais se preocupar comigo foi como bálsamo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário