terça-feira, 25 de setembro de 2012

Dez...

Ele imagina ser "dez" um bom número.
Só consigo concordar em três situações.

"Dezpidos" de toda bagagem (incluindo roupas e adornos).
"Deztituídos" de toda culpa e medos.
"Dezbravadores" de gostos e sonhos.





quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Na curva da estrada..

A solidão é uma curva de estrada que se avista, muito distorcida, no final do dia, com o céu completamente nublado.
É o gosto de sangue sentido entre os dentes, pouco antes de um acidente de carro. O choro no acostamento.



"Mas naquela estrada
Naquela madrugada
Acho que matei alguém
E no mesmo instante
Morri um pouco também"
(Um Ponto Oito - Pato Fu)

domingo, 29 de julho de 2012

A mulher e sua sombra...

Era uma mulher com uma sombra pequena, que a acompanhava por todos os caminhos. Mesmo percebendo-a deixa que ali ficasse, alimentando-se da solidão de seu silêncio.

Era uma mulher com uma sombra crescente, que de noite rangia os dentes e  chorava baixinho. Que via em suas mãos a marca dos dias passados. Sua pele perdendo o viço da mocidade.

Era uma mulher com uma sombra, que trazia em seus olhos de rubi a cor da bagagem esquecida, dos amigos que amava e já não encontrava.

Era uma mulher sombra, que os sapatos apertados dificultavam a ida. E para onde ir?

Era uma sombra com sua mulher, que fez-se forte com o pesar galopante.

Era uma sombra que fez-se tudo.


(inspirado nos poemas "O homem e sua sombra" de Affonso Romano de Sant'Anna)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Fora do tempo...

Penso que estou fora do meu tempo. Fora do tempo.

Tenho em mim uma urgência de ontem, urgência dos que têm fome.

Tenho gritado por trânsito livre, comidas expressas, poemas estilo haikai, refrigerantes em latas pequenas, mini chiclete, cigarros em rápidas baforadas, internet rápida e respostas precisas.

Penso que hoje minha urgência é de ontem. Amores perdidos, dias pesados, livros guardados.

Penso que estou fora do meu tempo. Fora do tempo. 

São dias de noites curtas, poucos sonhos e uma saudade abismal.

Olho para esse céu azul e lembro de algo que li e também ficou perdido, juntamente com minha bagagem. Esse céu azul deve ser o mar, numa imensidão que devora todos. Hipnotiza e nos deixa órfãos.

Penso que estou fora do meu tempo. Fora do tempo. E quando o encontrar não mais terei a urgência dos que têm fome, terei a paz dos que andam descalços nas gramas.




terça-feira, 24 de julho de 2012

Leve ...

Se eu fosse poeta, numa hora torta como essa, eu teria licença para dormir e não sonhar. Teria o perdão por descansar horas a fio, e não teria nenhum sentimento de culpa. 

Ah, se eu fosse poeta...

...conseguiria articular as palavras para tecer em frases curtas e simples tudo o que borbulha. Não transformaria meus pensamentos e desejos em uma colcha em fiapos, e sim de retalhos bem costurados. Um cinza, outro laranja, um cinza, outro laranja.

Mais que ser poeta ou ser costureira... queria a leveza que sustenta os dias. A mesma leveza que leva alívio a quem doeu, que pode levar para além do que é aqui.

Mas acabo ficando com o pensamento perdido de um dia pesado.






sábado, 21 de julho de 2012

Dentes-de-leão


Quando virei a esquina e comecei a andar por aquela rua, tinha a certeza de nunca ter estado ali. Não conhecia os prédios, as janelas fechadas das casas não lembravam nada. Nenhuma árvore ou arbusto era familiar. Um lugar novo e sem aquele sentimento de gosto bom nos olhos. Os carros passavam rápido e as pessoas tinham um tom de cinza na pele.

De forma mecânica eu abri a bolsa, peguei um cigarro e continuei andando, sem muita certeza se estava no caminho certo.

Foi quando um pé de vento levantou todas as folhas secas que inundavam o passeio. Senti na mesma hora o cheiro de ontem. Senti aquele perfume bom que existe atrás da orelha da pessoa que se gosta. Minhas pernas fraquejaram, e eu não conseguia decidir se deixava-me ficar ali ou se continuava. Nessa horinha de descuido tudo ganhou uma aparência nova. Bem disse que felicidade se encontra assim.

Sempre gostei da brincadeira que o vento faz quando levanta as roupas, acaricia as peles, bagunça os cabelos e hoje, além de tudo, ele invadiu minha alma. Intruso, conseguiu que tivesse vontade de sentar na grama, ficar descalça e ler um livro antigo, tomar café, e esquecer do tempo, que aliás tem feito-me prisioneira de um modo que não gosto.

Quis ser vento, quis ser suave e inesperada ... e fazer o ontem também sentir um gosto bom. Cantar nas frestas das janelas, espalhar dentes-de-leão no ar para quem ver sentir minutos de bem estar como eu sinto quando isso acontece.

Quis ser vento e ir...





domingo, 10 de junho de 2012


Foi quando eu virei a esquina e a vi. Estava sentada nos degraus da escada, as pernas levemente abertas. Usava sapatilhas marrons, um calça preta, uma camisa xadrez, e óculos com armação em acrílico. Tinha os cabelos curtos e bagunçados pelo vento. Próximo ao pé um telefone celular e um isqueiro semelhante a um Zippo. De onde eu estava não consegui perceber todos os detalhes, mas certamente não usava nenhum batom: não pode existir um batom com uma cor tão atraente. Sei que tinha as unhas da mão pintadas, mas a cor exata não consegui reconhecer, mas era algo próximo à cor do xadrez da camisa. O tempo estava parado. Naquela hora senti toda a solidão do mundo, como se somente sentado naquele degrau eu existisse. A fumaça que soltava pela delicada boca quase me fez bater o carro. Estacionei em fila dupla e usei, pela primeira vez, o recurso de tirar fotos pelo celular. Deixei imortalizado aqui, aquela imagem que eu certamente não esqueceria. Na rádio uma música estilo baladinha, que não sei o nome. Esperei até que ela levantasse, limpasse a calça e entrasse no prédio. Engraçado como entrar numa rua errada fosse mudar todo o meu mundo certinho. Eu, um cara que tenho livros, discos, textos, todos catalogados, roupas e sapatos organizados por cor, perdi toda a razão pelos padrões.

Quando cheguei em casa ainda não acreditava que faltou a coragem em descer do carro e perguntar o nome dela. O pequeno apartamento não tinha fim, nem limites. As cores das paredes escorriam e a geladeira escondia toda a cerveja que eu quis beber. Saí e fui até a loja de conveniência mais próxima. Comprei mais algumas garrafas e me perdi em tantas marcas de cigarro. O rótulo certamente era vermelho, mas qual seria? Não conseguia adivinhar e isso fez-me triste novamente. Só restava esperar pelo próximo dia e confiar que ela ainda estaria lá...

(...)

Arrisquei parar o carro. Caso conseguisse a ousadia necessária não queria ser interrompido por buzinas, por ter parado em fila dupla, tentei gentilmente explicar para o tomador de conta de carros que seria breve o tempo que ficaria e nesse meio tempo perdi a voz. O dia todo iluminado por um sorriso em minha direção.  Chegou tão perto que senti que meus pensamentos foram roubados. Ela sabia, de algum modo ela sabia que eu estava lá apenas para vê-la, foi quando a voz mais suave que eu poderia ter imaginado pediu ao cara do meu lado que lavasse o carro dela naquele dia. Abriu o carro do lado onde tinha estacionado o meu, retirou uma cartela de cigarros (que agora sei a marca) e entregou a chave, com toda a confiança ao homem. "Saio     ás 17:00 horas, ok?". E eu fiquei com duas opções, dizer a ela que tudo era diferente agora ou esperar até o final do dia. O homem do nosso lado não perdeu a oportunidade: " (...) ele está na dúvida se lava o carro, o que falamos para ele?"... e novamente eu perdi meus sentidos ... "Lave, é boa a sensação de voltar para a casa num carro limpo." Sorriu e foi embora para sentar no mesmo degrau de escada. Órfão de amor, não vi outra opção senão entregar as chaves para o homem e ficar ali, do outro lado da rua, sem ação nenhum.
E foi uma eternidade o tempo. Quando ela finalmente saiu, carregando uma mochila igual uma corcova, várias caixas e uma expressão cansada, resolvi aproximar-me. "Posso ajudá-la?". E seu sim foi apenas um sorriso, que fez forte. Colocamos tudo em seu carro, e senti que seria a última oportunidade de falar do meu encantamento: "queria tomar um café contigo. - Engraçado ter esperado tanto, e simpático ter voltado hoje... amanhã já não estarei aqui, mas vamos ao café, quem sabe não será o último nosso." Todo o diálogo em um milésimo de sorriso, em meio a dentes que eu desejei cravados em mim, e nenhuma coragem. Acho que perdi a fala. Ao entrar no carro, ela quase dependurada na janela agradeceu e esticando a mão entregou-me um cartão: "olha, não venha amanhã se sua intenção for me ver sentada no degrau da escada, já não trabalho aqui, mas esse aqui é o número do meu telefone. Quando for a hora, quem sabe um café?".



quinta-feira, 15 de março de 2012

Vontade...


E foi quando a vontade de ir embora ficou maior que qualquer sentimento ou desejo. Uma vontade tão grande e esmagadora que o coração despedaçou-se em inúmeros cacos. Deus, com Sua bondade infinita, recolheu todos os pedaços e fez um delicado pássaro.