sábado, 7 de dezembro de 2024

Quartas-feiras

 Ele já tinha tomado umas cervejas... os olhos brilhavam. Do outro lado da linha estava ela, acabando de sair do trabalho. 

Da boca dele saiu uma frase que fez o coração dela pular uma batida, e ele jamais saberia.

Ela, caminhou dançantemente para casa, parando apenas na padaria para comprar umas cervejas.

Em seu sofá, com luzes natalinas e ao lado da janela, viu a chuva iniciar.

Restava a noite de sono e o até amanhã.




quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Olhos famintoS

 

Acredito ser esses olhos famintos

Que provocam em mim esse desvario,

Acometendo meus pés antes distintos 

Caminhantes de um percurso sumário. 

 

A recém assimilada solitude 

Ornada de momentos silenciosos 

Caiu por terra da maneira mais rude 

Frente ao maior sorriso capcioso

 

Então livros, plantas, pássaros, todo lar

Provaram a mescla agridoce da paz

Com doses desproporcionais de caos

 

Tal como a Ilíada e os dânaos 

De um coração em uma batida voraz

Vejo que nada pode fazer serenar ...



domingo, 20 de outubro de 2024

TarantinO

 

Em uma mesa requintada

A Previsibilidade oferece café

Juntamente com bolinhos.

“Acalme seu coração”, ela diz.

“Hoje é o ontem atualizado,

Nada será modificado”.

Servindo uma caminhada já traçada,

Cheia de passos já contados.

No canto o Conformismo ri baixinho,

De todas essas vidas bem articuladas.

Eu categoricamente dispenso o café.

Quero uma caminhada singular,

Quem sabe com roteiro do Tarantino.

Com direito ao coração palpitando,

Os olhos brilhando e ...

.... e desejo de completude.




segunda-feira, 7 de outubro de 2024

SantuáriO

 

Uma aliança com a corda Mi

Foi o que Adoniran Barbosa fez

Para a sua amada.

Era seu bem mais precioso...

... que ele ofertou com liberdade.

Embalada pelo samba eu fiz minha doação.

Construí um santuário com paredes de livros.

As janelas adornadas com poesias e afeto.

Espalhados pela casa vasos de plantas...

.... compartilhavam espaço com os livros que sobraram.

Velas perfumadas tremeluziam ...

...nos cantos já iluminados.

Sempre cheia uma garrafa com café fumegante...

.... para aquecer as manhãs, que sempre tinham

.... gosto de domingo.

No quintal as plantas e os pássaros transbordavam ...

... o bem querer que emanava de dentro.

Em especial a buganvila branca...

... com os galhos em oração.

Desejando que aquele tempo fosse eterno, enquanto durasse.




terça-feira, 1 de outubro de 2024

QuintaL

 

Comecei a criar pássaros...

... muito por acaso.

Eles pareciam ficar curiosos quando eu ...

... estando em casa, ouvia música.

Pouco depois eu já oferecia frutas, água e ração.

Tenho sabiás, rolinhas e até canários.

Preenchendo um espaço no quintal ...

... que eu não havia percebido que existia.

Estando na janela sinto seus olhinhos,

Brilhantes e tentando me decifrar.

Passo um tempo incontável sentindo

Esses pequenos se agigantarem em mim.

E esse texto nem é sobre aves.




quarta-feira, 25 de setembro de 2024

JustiçA

 Colocou Chet Baker para tocar...

... começando por My Funny Valentine.

Entre um cigarro e outro arrumou a casa...

... com especial cuidado os livros.

Tudo limpo e em ordem, sentiu seu caos.

Uma balbúrdia tão grande que respirar era pesado...

... tão pesado quanto um querer bem.

Chet Baker canta “Time After Time”

E entendeu que a mentira que teimava em acreditar...

... vez após vez, estava consumindo o que tinha de maior valor:

A virtude da justiça.

Desassossegada, saiu para andar.

Chegando na esquina, para atravessar a rua, sentiu o vento...

... e enquanto percorria o curto trecho de asfalto viu as folhas dançando,

Como que para festejar o final do outono.

Um bailar descompassado, que apertou mais seu coração.

Liberdade: um dos pilares de sua virtude tão rachada.

Ser livre é estar pronto para fazer o bem....

... independentemente de quem o receber.

Caso contrário o vento das consequências te aprisiona...

... numa dança interminável, de um outono de vendavais.

Chegou ao outro lado da rua, certa que precisava de uma bebida.

Naquele dia e horário, apenas a padaria poderia ser sua salvação.

Entrando no estabelecimento viu um senhor com aparência desorientada,

Procurando por algo com aflição.

Observou por um tempo, que pareceu longo demais, diante da angústia do homem...

... e ninguém o ajudou, pois estavam preocupados em atender uma senhora cheia de adornos.

Aproximou do homem, perguntando se poderia ser útil...

... escutando dele que só queria achar a caixinha de leite.

Mostrou ao homem onde estava o produto, e viu a gratidão em seu olhar.

Questionou, mentalmente, se esse desleixo com ele seria devido sua vestimenta ou idade...

... e outro choque bombardeou seus pensamentos: por onde anda a igualdade?

Como que a Justiça permite que a igualdade esteja esquecida...

... sendo que isso a faz igualmente escusa.

Pegou sua bebida e voltou quase em galopes para casa.

Seu lar, de poucos cômodos, só os essenciais...

... com mobílias franciscanas, muitas plantas e muitos livros.

O mundo sob seu governo.

Ela entendeu.

Melancolicamente entendeu.

Que ser justo nem sempre é imediatamente bom,

Contudo, o bem se faz necessário, para se ter paz...

...paz para ouvir Chet Baker e ...

... beber algo envolta em fumacinhas dos cigarros.




domingo, 8 de setembro de 2024

EnlaçadoS

 

Os passos marcados em nossa trilha inerente,

São fios singulares, com os quais tecemos nossa fita.

Estampada com a marca da bagagem que carregamos,

Que arrastamos por dias e dias a fio,

Com os olhos famintos e a pulsação ritmada,

Desejando tecer sonhos, toques, manhãs mornas,

E conversas livres.

Contudo, acontece mesmo com um mar de distância,

Sem nem mesmo a possibilidade da entrega de cartas,

O grande tear ganhar vida e produzir um inesperado laço

Com vontade própria e descompromissada

Fazendo com que as bagagens, os olhares e as peles

Se encontrem assim inesperadamente

Em um cenário enlaçado.




terça-feira, 3 de setembro de 2024

Pezinho de manjericãO

 

Propagam que os grandes escritores, grandes poetas

São assim reconhecidos por falarem de coisas simples.

E eu, que sempre fui encantada com as letras e livros,

Me vejo estrangeira nessa categoria.

Como entender como simples o caminhar numa calçada no domingo,

O silêncio não constrangedor ou o calor das peles que se encontram,

A chuva batendo na janela ou uma árvore do meio da estrada.

Nada disso é simples... pelo contrário: é o tudo,

O universo.... caos e o farol ao mesmo tempo.

E olhar para esse tudo que nos rodeia, gesta um sentimento de

Transparência, imensidão e plenitude,

Faz querer que se escreva uma epopeia sobre

O pezinho de manjericão na janela da cozinha,

Sobre o olhar de prazer da pessoa desejada,

O sorriso da criança amada.

Penso que o vulto desses escritores, desses poetas,

Esteja em traduzir todos esses sentimentos em letras que

Todo e qualquer mortal consiga armazenar pelo corpo,

Entendendo que nossa finitude não carrega o completo fim,

E sim semente, letras e memória.




segunda-feira, 2 de setembro de 2024

SilênciO

 

Vem sentir o silêncio comigo,

Não se incomode com o vento na janela.

Teremos apenas os olhos conversando e

Traduzinho o que as mãos fazem.

Vem sentir o tempo parando,

Fazendo eterno o que vivemos,

Cada gesto ficando marcado na pele,

Vem sentir o silêncio comigo,

E saciar a fome de liberdade.




segunda-feira, 26 de agosto de 2024

MenestreL

 

Nos reinados atuais, onde a nobreza corteja em redes sociais

Com seus palácios de finos vidros e coroas virtuais

O menestrel ficou esquecido, num canto abandonado,

Os poemas e cantos não são mais aclamados.

Ele teima em se fazer presente, nos encontros filmados e postados.

Recita versos que não são mais escutados,

Sua música é abafada e sua voz não é ouvida.

Ele teima em circular, tentando se aproximar da nobreza,

Mas sua aparência comum e sua cultura de ontem é rejeitada.

Ele não sabe quais sinais deve enviar para ser notado.

E tudo nele é rejeitado.

Sem saber a qual lugar pertence, 

Um ser de Lugar Nenhum.

 




segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Édith Piaf nunca cantou tão triste

 



 No meio do caminho havia riquezas,

Dessas que não se pode ceder ou comercializar.

Que rebentam músicas exclusivas.

E eu, com olhos de rubi, recolhi cada uma que coube em meu embornal.

Carreguei com a urgência dos que tem fome.

... fome de amanhã, fome de outra asa.

Fazendo a mais valiosa melodia andarilha.

Mas numa dessas curvas, que nem me recordo mais,

Quis ver o sorriso nascer em outro viajante,

Compartilhando passos em uma calçada esburacada,

Mas com trilha sonora singular,

Uma dança dominical.

Nunca soube se tive sucesso, mas

Desde então, meu embornal passou a ter um peso infortúnio,

Do tipo que turva óculos e aumenta a sombra,

E Édith Piaf nunca cantou tão triste.